sábado, 26 de novembro de 2011

Mais uma vitória do Observatório Cidadania

Processo Nº 457.01.2010.004378-0


Texto integral da Sentença

VISTOS. OBSERVATÓRIO CIDADANIA DE PIRASSUNUNGA, devidamente qualificado nos autos, ajuizou a presente ação civil pública em face do MUNICÍPIO DE PIRASSUNUNGA, alegando, em síntese, que o réu tem recebido uma quantidade expressiva de recursos federais, porém, não cumpre o disposto no artigo 2º da Lei nº 9.452/97 que prevê a necessidade do envio de notificações aos partidos políticos, sindicatos de trabalhadores e entidades empresariais acerca da liberação dessas verbas. Alegou, ainda, que o réu não disponibiliza para os munícipes e entidades sociais as edições da imprensa oficial do município, assim como não divulga no seu website na internet todas as informações referentes aos atos administrativos, o que viola os princípios da publicidade e da transparência da gestão pública. Assim, requereu que o réu seja condenado a notificar os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais sobre todos os recursos federais que lhe forem destinados, desde o ano de 2005 até os dias atuais; a distribuir a imprensa oficial em determinados locais, a publicá-la na internet e encaminhá-la via mala direta para as entidades locais e, por fim, a disponibilizar no seu website todas as informações referentes aos atos administrativos praticados. Com a inicial vieram os documentos de fls. 14/37. O réu manifestou-se sobre o pedido de antecipação de tutela (fls. 44/50), o qual foi indeferido (fls. 64), após manifestação desfavorável do Ministério Público (fls. 63). Assim, o réu foi devidamente citado e ofereceu contestação aduzindo, preliminarmente, a incompetência absoluta do juízo e a falta de interesse processual, e, no mérito, que sempre observou o princípio da publicidade dos atos administrativos e a inexistência de obrigação legal para disponibilização dessas informações e do diário oficial do município pela internet (fls. 79/82). Juntou documentos (fls. 83/129). Réplica às fls. 131/146 acompanhada dos documentos de fls. 147/154. Instadas a especificar provas (fls. 155 e 167), as partes requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 156 verso e 169/172). O pedido de antecipação de tutela foi parcialmente deferido para determinar ao réu que notifique os partidos políticos, sindicatos e entidades empresariais sobre todos os recursos federais recebidos (fls. 161/163). A instrução probatória foi encerrada (fls. 177) e o Ministério Público opinou pela procedência parcial da ação (fls. 179/189). É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Inicialmente, rejeito a preliminar de incompetência absoluta do juízo estadual para processar e julgar a lide já que na figuram na relação processual nenhum dos entes federais discriminados no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, assim como não há qualquer interesse da União nesse processo, o qual não atingirá sua esfera jurídica em caso de eventual procedência. Ainda inicialmente, afasto a preliminar de falta de interesse de agir. Ora, o interesse de agir em juízo consiste na necessidade jurídica de obter um provimento jurisdicional do Estado para a satisfação de uma pretensão. Assim, só detém interesse de agir o sujeito que alega possuir um direito substancial ameaçado, lesado ou insatisfeito, e este interesse confirma-se pela necessidade de obtenção da tutela jurisdicional do Estado. Dessa forma, trata-se de interesse de movimentar a máquina judiciária para obter a consecução de uma pretensão resistida. No caso dos autos, a autora expressa necessidade do provimento solicitado visto que, por óbvio, sem o provimento jurisdicional não conseguirá compelir o réu a cumprir o disposto no artigo 2º da Lei nº 9.452/97 e tampouco obrigá-lo a disponibilizar para os munícipes e entidades sociais as edições do diário oficial ou a íntegra dos atos administrativos na internet. Destarte, é patente o interesse de agir em todas as suas modalidades (necessidade, utilidade e adequação). Outrossim, a autora é parte legítima ativa. Consoante se verifica do documento de fls. 26/36 trata-se de associação, sem fins lucrativos, regularmente constituída há mais de um ano e que tem entre suas finalidades “a defesa e proteção de bens e direitos sociais, coletivos e difusos” (fls. 26), nos termos do artigo 2º, “a”, do Estatuto Social de fls. 26/34. Ora, a transparência da gestão pública, a publicidade dos atos administrativos e a moralidade administrativa podem ser classificados como direitos difusos amparáveis via ação civil pública, nos termos do artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85. Assim, resta clara a pertinência temática e a legitimidade ativa da associação autora. Posto isso, a ação é parcialmente procedente. Extrai-se da inicial que a autora pretende compelir o réu a notificar os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais sobre todos os recursos federais que lhe forem destinados, nos termos do artigo 2º da Lei nº 9.452/97, a distribuir a imprensa oficial aos munícipes e entidades sociais e a disponibilizar na internet todas as informações referentes aos atos administrativos praticados no âmbito do município. Por sua vez, o réu confessou na manifestação de fls. 44/50 que descumpre deliberadamente o artigo 2º da Lei nº 9.452/97, pois, considera inviável economicamente cumprir a citada legislação e também porque o referido dispositivo legal teria sido derrogado tacitamente pelo disposto no artigo 2º da Lei Complementar nº 131/2009, que introduziu o artigo 73-B na Lei Complementar nº 101/2000. Todavia, consoante já reconhecido na decisão que antecipou parcialmente os efeitos da tutela (fls. 161/163), não houve qualquer derrogação do artigo 2º da Lei nº 9.452/97 pelo artigo 2º da Lei Complementar nº 131/2009, pois, ambos possuem espectros de atuação diversos já que aquele trata apenas da notificação de determinados entes acerca da liberação de recursos federais aos municípios enquanto este versa sobre a divulgação na internet de todos os atos praticados pelas unidades gestoras de recursos públicos. Logo, a obrigação dos municípios beneficiários de recursos federais de notificar os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais sobre o recebimento desses recursos permanece hígida, independente da implantação dos denominados “Portais da Transparência”. Frise-se que a referida obrigação imposta ao Poder Executivo Municipal dá efetividade à transparência na gestão dos recursos financeiros, já que possibilita maior controle dos vultosos recursos federais destinados aos municípios, não somente por parte da União e do Poder Legislativo, mas por parte de entidades organizadas representativas da população como os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais. Ora, a recalcitrância do réu em cumprir a referida legislação, a toda evidência, impossibilita sobremaneira o exercício da fiscalização financeiro-orçamentária da Administração Pública. Destarte, diante dessa conduta arbitrária e ilegal, o réu deverá ser compelido a cumprir a norma cogente disposta no artigo 2º da Lei nº 9.452/97, a fim de garantir o primado da lei e a transparência no recebimento de recursos federais. A mesma linha de raciocínio pode ser utilizada para fundamentar a obrigação do réu em cumprir as determinações de transparência na gestão fiscal através de ampla divulgação dos seus atos de execução orçamentária e financeira em meios eletrônicos de acesso público, previstas no artigo 48, inciso II, e, 48-A da Lei Complementar nº 101/2000. São os denominados “Portais da Transparência”. Todavia, o documento de fls. 56 comprova que o réu ainda não implementou na íntegra as determinações do artigo 48-A da Lei Complementar nº 101/2000, pois, divulga no seu sítio na internet (www.pirassununga.gov.br) apenas os balancetes bimestrais e gestão fiscal, balanços anuais, lei do orçamento anual, diretrizes orçamentárias anuais e o plano plurianual do quadriênio, porém, deveria disponibilizar as seguintes informações expressamente previstas no supracitado dispositivo legal: “Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários”. Frise-se que o prazo estipulado no artigo 73-B da Lei Complementar nº 101/2000 para a implantação das determinações constantes do artigo 48-A dessa lei, nos municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes, como é o caso de Pirassununga, já defluiu em maio de 2011 e não há notícia nos autos do cumprimento integral da legislação. Ademais, todo e qualquer cidadão tem o direito a obter informações do município, como preceitua o artigo 5º, inc. XXXIII, da Constituição Federal. Tal fato decorre também do princípio da publicidade dos atos administrativos que deve ser assegurado a todos os cidadãos. Confira-se a lição de José dos Santos Carvalho Filho sobre o princípio da publicidade: "Indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem" (Manual de Direito Administrativo.15ª ed. Lúmen Júris, 2006, p. 20) Assim sendo, o réu não pode se escusar de cumprir as determinações contidas nos artigos 2º da Lei nº 9.452/97 e 48-A da Lei Complementar nº 101/2000, sob pena de afronta aos princípios da publicidade e da transparência e ao direito de fiscalização. Contudo, como bem notado pelo D. Promotor de Justiça, o pedido para que o réu distribua a todos os munícipes e entidades sociais exemplares do diário oficial não pode ser acolhido. Ora, o réu comprovou que todos os cidadãos tem acesso às publicações da imprensa oficial do município bastando se dirigir à referida seção ou efetuar um cadastro para o recebimento dos exemplares sem quaisquer custos (fls. 55 e 86). Logo, tal sistema garante a transparência e publicidade dos atos administrativos, valendo trazer à colação o seguinte trecho do parecer do Ministério Público: “Quanto à disponibilização das edições da Imprensa Oficial do Município, percebe-se que a requerida fez a opção da distribuição àqueles que se cadastram previamente junto à Imprensa Oficial por uma questão de economia, evitando a impressão e envio de exemplares a pessoas e órgãos que não possuem interesse na sua leitura. Entendemos que a escolha do administrador público não prejudica a publicidade dos atos administrativos por meio da Imprensa Oficial e representa uma atitude parcimoniosa no trato do dinheiro público” (fls. 187/188) Assim, o sistema implantado pelo réu para a Imprensa Oficial garante o interesse da coletividade e preserva o princípio da publicidade dos atos administrativos. Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o réu a notificar os partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e as entidades empresariais sobre todos os recursos federais recebidos, nos termos do artigo 2º da Lei nº 9.452/97 e a disponibilizar por meio eletrônico a qualquer pessoa física ou jurídica as informações descritas no artigo 48-A, incisos I e II, da Lei Complementar nº 101/2000, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais). Tendo em vista a sucumbência mínima da autora, condeno exclusivamente o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo, por equidade, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Após o decurso do prazo para eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o reexame necessário. P.R.I.C. Pirassununga, 11 de outubro de 2011. ANDERSON FABRÍCIO DA CRUZ Juiz Substituto

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